Das mais-valias do Pico e do Faial

Fonte: http://www.tribunadasilhas.pt/index.php/opiniao/item/10557-das-mais-valias-do-pico-e-do-faial

Escrito por  Victor Rui Dores

As ilhas do Pico e do Faial são mais-valias e constituem, sem sombra de dúvida, valor acrescentado. Por isso nunca será de mais valorizar estas ilhas irmãs, havendo a considerar estes dados inapeláveis: o arquipélago dos Açores ocupa uma grande área geográfica e delimita a chamada Zona Económica Exclusiva de quase um milhão de quilómetros quadrados de mar. Somos uma região ultraperiférica, é-nos conferido o estatuto de centralidade atlântica e, cada vez mais, é reconhecida a nossa importância geoestratégica.

Neste contexto, vejamos como as ilhas do Pico e do Faial se diferenciam das restantes do arquipélago açoriano.

O Pico é a ilha de pedras negras, por entre as quais brota o delicioso verdelho que chegou à Rússia dos Czares, à mesa do Vaticano e ao convívio das mais abastadas casas reais do século XIX. Por isso mesmo, desde 2004, a zona da cultura da vinha desta ilha é classificada como Património Mundial da Unesco.

O Parque Natural do Pico constitui o maior Parque Natural dos Açores. A Gruta das Torres, no concelho da Madalena, é o maior tubo lávico de Portugal. Tudo nesta ilha é grandeza.

Em 1924, Raul Brandão, escritor e pintor impressionista, escrevia no seu livro As Ilhas Desconhecidas: “O Pico é a mais bela, a mais extraordinária ilha dos Açores – duma beleza que só a ela pertence, duma cor admirável e com um estranho poder de atracção. É mais do que uma ilha – é uma estátua erguida ao céu e moldada pelo fogo – é outro Adamastor como o do Cabo das Tormentas”.

Com efeito, o Pico é a sua montanha de 2.351 metros de altitude, lava e mistério, sendo o 3º maior vulcão do Oceano Atlântico e constituindo o ponto mais alto de Portugal. Consi-derada uma das sete maravilhas naturais de Portugal, a montanha do Pico é Reserva Natural desde 1982.

Ilha da pedra negra. Dizem que se fossem retiradas dos muros, uma a uma, e alinhadas em carreirinho pelo chão fora, essas pedras atravessariam ilhas, continentes e oceanos, dando uma vez e meia a volta ao mundo…

Convirá não esquecer que a área cultivável do Pico corresponde apenas a 4% do seu território. Isto significa que 96% do Pico é incultivável. Esta incapacidade agrícola levou à epopeia dos maroiços. Atesta-o o património genético dos picoenses. Estes são tendencialmente altos e corpulentos, destemidos e vigorosos. Porque, à força dos braços, ousaram dominar a Natureza.

No Pico dizia-se que o menino ao nascer era atirado contra a parede; se ele se agarrasse à pedra, rijinho, podia ficar; se não botava-se ao mar. Daí o picaroto ser grande como o Pico e forte como o mar.

No Corsário das Ilhas escreveu Vitorino Nemésio: “O picaroto é a nata das ilhas e, em verdade, nenhum açoriano se lhe avantaja na concepção séria da vida. De todos os açorianos, foi o picaroto que levantou a enxada mais alto e cavou mais fundo”. E ninguém mais do que o picaroto trabalhou, na dureza e na adversidade, a terra. Por isso ele foi encontrar o seu sustento também no mar.

O Pico foi terra de baleeiros que arpoaram o pão, o sonho, e a esperança. Durante mais de 100 anos, a caça à baleia, arriscadíssima, foi fonte indispensável de recursos. Como santuário da observação dos cetáceos (whale watching), o Pico tem hoje no cachalote um símbolo (e um mito) desse passado épico e marítimo. Resultado: o Museu do Baleeiros, nas Lajes, é hoje o museu mais visitado dos Açores.

Segundo a revista Islands, “ o Pico é uma das 20 melhores ilhas do mundo para se viver”.

Ilha ancestral, poética, profunda e selvagem, o Pico é uma força telúrica.

*****

Passemos agora à ilha do Faial. E o Faial não é só a sua assombrosa Caldeira, Reserva Natural, espectacular santuário de flora e vegetação, catedral de um silêncio imponente. E não é só a memória da lava que entre 1957 e 1958 saiu do mar em jatos impetuosos e formaram o Vulcão dos Capelinhos. É, também, o seu Parque Natural, distinguido pela Comissão Europeia como um destino de excelência.

O Faial vive em função da Horta – sede do único concelho da ilha e centro político dos Açores, já que nela se situa o Parlamento Regional. A Horta é a importância geoestratégica do seu porto. Porto de escala obrigatória de barcos e navios, local de reabastecimento de frotas e descanso das tripulações, a cidade possui a baía mais abrigada dos Açores.

À beira mar reclinada, oásis de repouso e de refrescos no meio do Atlântico, a Horta é a cidade mais ocidental da Europa e dispõe-se em anfiteatro natural, com o coração inclinado para a majestosa ilha do Pico, cuja montanha é barómetro eficaz e objeto diário de contemplação estética dos e para os faialenses.

Esta urbe é orgulhosa do seu passado flamengo e devedora da ação da família Dabney. A propósito, convirá não esquecer que a Horta foi a primeira localidade da Europa a possuir uma representação consular norte-americana logo após a Independência dos Estados Unidos.

E tudo poderia ter sido diferente se se cumprisse o desejo de Franklin Roosevelt que, em 1918, então Secretário da Marinha e futuro presidente dos Estados Unidos da América, apontou a cidade da Horta como possível sede das Nações Unidas.

 A Horta foi também nó de amarração de cabos telegráficos submarinos, tendo sido utilizada como base naval durante as duas grandes guerras mundiais, e a sua baía foi recentemente classificada com uma das mais belas baías do mundo. Lugar de chegadas e de partidas, porto de acolhimento, a Horta, cidade-porto, vive de memórias e mitos, ela que já foi “a maior cidade pequena do mundo”, como escreveu o poeta Pedro da Silveira.

Na sua Marina, emblemático ex-libris, está toda uma vocação marítima. Em termos de movimentação dos “pleasure boats”, a marina da Horta é hoje considerada a primeira de Por-tugal, a segunda da Europa e a quarta a nível mundial. Para muitos, trata-se da marina oceânica mais internacional do mundo. Por aqui aportam veleiros e velejadores provenientes de todas as latitudes (os “iatistas”), reforçando-se assim o cosmopolitismo da cidade.

Outro espaço mítico é o Peter Café Sport, considerado o melhor bar do mundo para receber marinheiros, onde se bebe o gin da amizade universal e ali existe um magnífico Museu de Scrimshaw.

Esta cidade realiza o maior e melhor festival náutico de Portugal: a Semana do Mar, com início na primeira semana de agosto.

Aqui se faz ciência de ponta com visibilidade internacional através do Departamento de Oceanografia e Pescas.

Culturalmente, Pico e Faial continuam a dar boa conta de si em vários domínios: na música, na literatura, no teatro, na pintura e em outras artes e ofícios.

É certo e sabido que os Açores são um espaço de criação. E em nenhuma outra parte da Europa existirá um território tão pequeno e com tão elevados índices culturais – o que se fica a dever, em primeira instância, à influência do meio geográfico (a “açorianidade”) e, depois, à riqueza do nosso cancioneiro popular.